Precisamos defender a nossa liberdade de decidir ser o que quisermos ser! Essa é nossa causa: a liberdade da manutenção do território da arte que construímos numa comunidade brasileira. Esta, nos termos de Foucault, "não é uma luta para alcançar o que efetivamente somos, mas um esforço de desprendimento da identidade a nós imposta."

sexta-feira, 8 de julho de 2016


A morte do Museu de Arte Contemporânea Casa das Onze Janelas, ou a morte da arte na cultura: resposta do Movimento Casa Das Onze Janelas à  Nota Do Governo Do Estado Do Pará sobre o Polo De Gastronomia e o Museu de Arte Contemporânea Casa das Onze Janelas

Importância do Museu de Arte Contemporânea Casa das Onze Janelas e a valorização da cultura paraense e brasileira.

Diante das inúmeras manifestações em todo o país por representantes das classes artísticas contra a extinção do Museu de Arte Contemporânea Casa das Onze Janelas por parte do Governo do Estado do Pará para abrigar o Polo Gastronômico da Amazônia, o movimento Casa das Onze Janelas vem à público apresentar suas considerações no que diz respeito à nota oficial do governo do estado publicada no jornal O liberal do dia 1 de julho de 2016, no caderno atualidades página 5.

1. Ao contrário do que afirma o governo o museu será mais do que fechado, será extinto. Transferí-lo do lugar que lhe pertence implica no seu desaparecimento definitivo, no que se refere a sua concepção museológica original em diálogo com sua área externa e paisagem dentro do complexo Feliz Lusitânia.

2. O Governo afirma: “O Polo de Gastronomia é mais do que um projeto. É também um sonho de muitos que se arrasta há anos.” Quem seriam esses “muitos” que nutrem o sonho do Polo Gastronômico? Muitos, na verdade, é a população do Pará que jamais foi esclarecida, informada e consultada sobre este ou outros grandes projetos implantados em nosso Estado, e que trazem em seu discurso o sonho de desenvolvimento do Pará como grande potência econômica.
3. Neste ponto, por que trocar um museu por outro? Por que alijar a arte de um ambiente no qual ela já está integrada há quatorze  anos, física  e culturalmente? Em que medida a permanência do Museu de Arte Contemporânea Casa das Onze Janelas impede a suposta agregação de valor alegada pelo governo do estado? O Movimento Casa Das Onze Janelas entende que a arte, como campo de conhecimento, tem muito a contribuir com todo e qualquer projeto que pretenda desenvolver a cultura em nossa região, considerando a participação fundamental das instituições públicas de ensino e pesquisa de arte, assim como a participação da sociedade civil.

4. Segundo a nota do governo o programa Pará 2030 propõe a agregação de valor aos nossos produtos e marcas destacando nossa história e cultura. Curiosamente o Pará um dos poucos estados da federação a não aderir ao Fundo Nacional de Cultura, o que levanta grandes dúvidas quanto à efetiva inclusão da cultura no desenvolvimento do estado. Aqui a nota do governo defende a agregação de valor aos produtos e marcas, mas de forma estritamente econômica (financeira).  A arte tem muito a contribuir para o desenvolvimento econômico, cultural, e social do Estado. Ao que parece o governo entende a agregação de valor como uma padronização, homogeneização,  higienização, uma gentrificação dos nossos produtos e bens culturais ligados à cultura alimentar das diferentes regiões paraenses, em especial de comunidades produtoras de mandioca e seus derivados, tucupi, maniva, farinha, e outros produtos como castanha do pará, açaí e chocolate.
Compreendemos a cultura amazônica como uma cultura heterogênea e mestiça. E o que o governo define na nota oficial como “estratégia de desenvolvimento sustentável e harmônico para o Estado” pode colocar em risco a complexidade da nossa cultura, dos muitos que somos, podendo vir a interferir no nosso modo de ser, e de estar inseridos na cultura. Sempre soubemos nos relacionar com o diverso, com o diferente, e como em qualquer cultura mestiça, nossa riqueza está na mistura.

5. Neste item o governo incorre em um equívoco quando afirma que o Polo de Gastronomia irá agregar o alimento ao sitio Feliz Lusitânia, mas tal segmento já está presente, nos restaurantes, nas comidas de rua que fazem parte da vida da cidade, representa parte do seu modo de ser e estar na cultura amazônica, como o cachorro-quente, o tacacá, por exemplo. Qual seria o sentido de agregar e congregar, quando se exclui um Museu que já cumpre o papel marcante de congregar manifestações  da nossa história, cultura e memória?  O sentido de exclusão da arte não condiz com o significado de agregar. Isso nos leva a entender que o termo  agregar, no discurso do governo, se refere apenas à gastronomia, confirmando o entendimento de que o governo pretende, no projeto referido, a implantação e homogeneização dos nossos produtos e bens culturais.

6. No que concerne ao item 6 o governo se refere ao uso do prédio histórico onde funciona atualmente o Museu de Arte Contemporânea Casa das Onze Janelas,  afirmando que a edificação abrigou um restaurante, que ocupava metade do prédio. No entanto, esta afirmação está incorreta; na verdade o restaurante ocupava  metade da parte do térreo do prédio original, ou seja, apenas ¼ da área original da edificação. Na outra metade está o projeto “Gabinete de Papéis”,  com uma sala expositiva e a reserva técnica de papéis, o Educativo, o Administrativo. E em toda a área do andar superior encontram-se as três salas de exposições, banheiros e uma pequena sala de apoio.

Em relação ao sub-item letra a, sobre a afirmação do governo: “área disponível no prédio, mesmo que integralmente destinada ao museu, seria insuficiente diante da tendência de crescimento de acervo”, o movimento Casa das Onze Janelas possui outro entendimento sobre a expansão do museu. Considera que para atender a necessidade de expansão pode-se aproveitar a área do restaurante, incluindo a área anexa que era destinada à cozinha. O Museu de Arte Contemporânea Casa das Onze Janelas, em seu processo de ampliação também pode prever mais áreas expositivas, além da própria reserva técnica, assim como outro possível projeto de expansão.   Seria bem vinda a implantação de um prédio anexo para a reserva técnica e exposições de grandes dimensões  com complexidades tecnológicas contemporâneas, como já ocorre em grandes museus nacionais e internacionais que mantém seus espaços expositivos em prédios históricos, garantindo suas identidades constituídas em longos períodos, mas possuem anexos para acervo e outras exposições em diferentes edificações, como por exemplo: MAC-SP, MAS-SP, MAR-RJ, CCBB-SP-RJ-BH, Tate Galery- Londres.
No sub-item letra b, o governo afirma que “por ser prédio antigo e não concebido para tal, por razões estruturais, apresenta restrições quanto ao espaço, climatização, iluminação, (…)” é importante ressaltar que a edificação original era de uma residência, que foi inicialmente adaptada para ser um hospital, depois um quartel militar, sendo a última e duradoura adaptação para transformar-se no Museu de Arte Contemporânea Casa das Onze Janelas. A adaptação faz parte da história daquele lugar. Esse argumento inclusive desqualifica o arquiteto que adaptou o prédio para uso museológico. Essa adaptação, coordenada pelo arquiteto e atual Secretário de Cultura, Paulo Chaves, atendeu e atende projetos expositivos de grande envergadura, e no que tange a questão específica de iluminação e climatização, o projeto fez a adaptação  adequada, no entanto falta manutenção, investimento para preservar e ampliar o que existe. Precisa-se ainda de investimentos maiores para o desenvolvimento de projetos com complexidades tecnológicas de grande alcance.
A afirmativa de que o prédio antigo não foi concebido para ser museu não é um argumento consistente para excluir o Museu de Arte Contemporânea Casa das Onze Janelas enquanto tal, visto que foi concebido para dialogar com as outras edificações do Complexo Feliz Lusitânia e com o seu meio ambiente. A estrutura para ser um museu contemporâneo está pronta. Entendemos que o Museu de Arte Contemporânea Casa das Onze Janelas merece um projeto de expansão, nos termos aqui por nós apresentados. E isto implica em sua permanência no local para o qual foi pensado, se relacionando com a natureza e com a paisagem. Considera-se de extrema importância que o governo se comprometa em investir na manutenção e conservação dos museus existentes, assim como realizar investimentos em novos museus e em outros projetos na área da cultura, mas reafirmamos que é primordial manter os projetos que já existem, principalmente os de longa duração com reconhecimento nacional, o que significa garantir projetos que mantenham o direito da população paraense ao acesso à diversidade cultural , à arte e à educação.
7 .  Neste item o  governo declara que:  “Por tudo isso, mais uma vez negando o discurso do fechamento do museu, a Secult foi orientada a encontrar um espaço mais apropriado, de preferência no mesmo sítio[...].” O movimento Museu Casa das Onze Janelas afirma que este perde sua identidade ao ser deslocado de lugar, portanto, extingui-se, conforme asseverado no decreto 1.568, de 17 de Junho de 2016 que em seu artigo sétimo determina o funcionamento do museu naquele espaço até o início das obras do Polo Gastronômico, não apresentando qualquer alternativa à presença do Museu de Arte Contemporânea Casa das Onze Janelas no mesmo espaço. Reiteramos que o projeto arquitetônico do Museu de Arte Contemporânea Casa das Onze Janelas, foi projetado para compor um complexo de museus de acordo com sua tipologia: destinada a arte contemporânea. A sua retirada implica alterar o corpo museológico existente e afetar a paisagem urbana. Portanto, pelos motivos expostos, entende-se que a sua retirada do local onde se encontra implica na extinção completa do Museu de Arte Contemporânea Casa das Onze Janelas. 

Vale lembrar que a especificidade do museu foi pensada na sua integração com o prédio que ocupa. O grande edifício do século XVIII dialoga com as obras pois é desprovido de ornamentos internos e suas salas possuem vãos livres com pé-direito bastante alto para comportar trabalhos artísticos de distintas escalas incluindo instalações e projeções de grande formato. A estrutura física do edifício também permite criar infinitos desenhos expográficos que atendem perfeitamente a constante reorganização espacial de suas dependências em diversas salas, seguindo a necessidade de cada projeto de exposição a ser montado. Essas qualidades estruturais do prédio do museu são fundamentais para o entendimento sobre a arte contemporânea, sua fisicalidade e importância conceitual. Posicionado em frente à Baía do Guajará e ao lado do Forte do Presépio, o espaço do museu permite intervenções artísticas das mais diversas cujo contato com a paisagem ribeirinha-amazônica possibilita importantes projetos voltados para a relação entre arte, geografia e cultura amazônica.

Quando o governo afirma no decreto e na sua nota oficial que não haverá fechamento do museu, mas transferência, trata-se na verdade de figura de linguagem, um eufemismo, para criar a falsa ideia de permanência do Museu de Arte Contemporânea Casa das Onze Janelas. Portanto, pelos motivos expostos, entendemos que a sua retirada do local onde se encontra implica no apagamento completo do Museu de Arte Contemporânea Casa das Onze Janelas. Este museu só existe e tem sua identidade preservada se continuar nesse lugar, inclusive com seu nome Museu de Arte Contemporânea Casa das Onze Janelas.

8 Este item indica que “pelo menos três alternativas estão em estudo, conforme o que foi determinado no Decreto 1.568, de 17 de Junho de 2016” garantindo que o Museu de Arte Contemporânea Casa das Onze Janelas continue no espaço atual até que um novo lugar fique pronto. Em relação a esta informação, observa-se que existe uma explícita contradição entre o que a nota oficial do governo propaga e o artigo sétimo do decreto citado acima, que afirma: “O Museu de Arte Contemporânea e todo seu acervo permanecem sob a gestão da Secretaria de Estado de Cultura do Pará - SECULT, assim como seu funcionamento no local atual até o início das obras do Polo de Gastronomia, quando então serão transferidos para novo espaço a ser definido pela SECULT”, Esta contradição exige um esclarecimento: O governo propõe que o Museu de Arte Contemporânea Casa das Onze Janelas “continue funcionando no espaço atual, até que o novo esteja pronto” conforme a Nota Oficial ou “até o início das obras do Polo de Gastronomia” conforme o Decreto? Esta indecisão sugere que a ordem de retirar o Museu de Arte Contemporânea Casa das Onze Janelas do lugar onde se encontra foi arbitrária e não planejada.

Entendemos que a proposição de construção de um novo e grande museu de arte contemporânea encontra-se baseada em alternativas frágeis, sem concretude ou solidez. Não há viabilidade prática porque não existe um proposito de mudança pensada com rigor e certeza do desejado. Tratam-se de opções inviáveis para serem realizadas a curto prazo, sua realização seria, no mínimo, para médio e longo prazo. Um projeto arquitetônico dessa envergadura não poderia ser construído no tempo restante da atual gestão do governador Simão Jatene, há um ano e meio do final do seu mandato. Perguntamos, a proposta é repassar a conclusão da obra de construção e/ou restauro do novo Museu de Arte Contemporânea para uma nova gestão do governo do estado do Pará? Isso significa na prática que o Museu de Arte Contemporânea Casa das Onze Janelas será extinto.

A Nota Oficial e o Decreto 1.568, de 17 de Junho de 2016, que suprimem o Museu de Arte Contemporânea Casa das Onze Janelas, comungam nas afirmações, explicitas nos dois documentos, de que não existe até o momento projeto definido para a construção/restauro de um novo museu.
O movimento Casa das Onze Janelas entende que a retirada do Museu de Arte Contemporânea Casa das Onze Janelas do seu sitio original, implica na descaracterização do projeto original do conjunto de museus e outros equipamentos culturais existentes no Complexo Feliz Lusitânia, criados para atuarem em rede e de forma orgânica. A retirada do Museu de Arte Contemporânea Casa das Onze Janelas do seu local original revela-se como uma violenta extirpação de um dos membros de um organismo vivo, trata-se de violento ato de retirada da arte de um território constituído e de reconhecimento nacional.  Entendemos que arrancá-lo de sua estrutura orgânica de relacionamento em rede e com a paisagem, além de descaracterizá-lo, alija-o de seu projeto arquitetônico inicial, decretando a sua morte, porque como em um sítio específico, só existe em estreita relação com o seu meio ambiente, com o lugar para o qual foi pensado e construído, permanecendo assim em seus quatorze  anos de existência.

9 Este item da Nota Oficial, afirma que: “Logo, qualquer tentativa de desvirtuar tais fatos, além de não corresponder à realidade, por quaisquer que sejam as motivações, só contribui para prejudicar a implantação de mais um museu, além de inviabilizar o Polo de Gastronomia da Amazônia, com todos os efeitos positivos que o mesmo trará para Belém e para o Estado.”
O Movimento Casa das One Janelas esclarece à população paraense e brasileira, que em nosso entendimento, a adulteração dos fatos está ocorrendo por intermédio de atitudes impostas por força de um decreto, sem transparência e sem discussão com todos que serão diretamente afetados por  decisões de desarticulação da arte atuante nesse espaço. Essas decisões extirpam da arte não só o prédio, e o seu entorno, mas também, o nome, o qual sintetiza a relação de afeto, de reconhecimento de território constituído no tempo-espaço de quatorze  anos de atuação com a arte contemporânea.
O Movimento Casa da Onze Janelas que está lutando pela continuidade e valorização de um Museu que é legítimo, em que medida essa ação pode ser vista com o intuito de prejudicar? Temos como plataforma inicial contribuir para a manutenção do museu no seu lugar de origem e para contribuir para a valorização de nossa cultura mestiça, que é uma das nossas maiores riquezas.

10 No último item da Nota Oficial o governo afirma que “Finalizando, os estudos em curso para a ampliação e melhoria do espaço destinado ao Museu de Arte Contemporânea constituem-se em mais uma prova da preocupação em se resgatar, valorizar e abrir novos espaços democráticos para a arte e cultura, como comprovadamente o Governo do Estado vem realizando ao longo dos anos.” Importante ressaltar que o  desmonte desses equipamentos culturais ocorre muito antes da imposição de um decreto. A falta de investimentos mínimos e de manutenção desses espaços físicos confirmam a inexistência de investimentos de manutenção e de projetos de fomento à cultura tanto para capital, Belém, como para os demais municípios do estado do Pará.

O governo do Estado está desativando paulatinamente os editais de apoio à pesquisa de acervo, editais de auxílio ao desenvolvimento das práticas e  poéticas artísticas, todos estão sendo retirados da pauta de prioridades do  atual governo do estado do Pará -  isso se revela na supressão  do edital de pauta do Sistema Integrado de Museus, por exemplo, e na mudança de horário de funcionamento dos museus, modificando a rotina dos usuários, criando um falso entendimento de que os museus não estão funcionando. Atitudes semelhante de desmonte da área cultural e artística vem ocorrendo pelo menos desde 2014, com a extinção/fusão de projetos em curso como o que ocorreu com a Fundação Curro Velho, Instituto de Artes do Pará (IAP) e Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves (FCPTN/CENTUR), sem promover debates com a população e classe artistica, sem transparência dos atos de governo em relação a arte e a cultura, tendo como justificativa, nesse exemplo, a reforma administrativa do estado para “enxugar gastos”.

Quando o governo impõe por decreto a retirada do museu, assume a sua extinção, pelos motivos aqui expostos.  A nota oficial e tampouco o decreto pouco esclarecem sobre o que de fato é o Polo de Gastronomia da Amazônia, onde ele será implantado em sua integridade, quais os parceiros desse projeto, qual sua naturalidade e nacionalidade? Quais as atividades e modos de ação na nossa região? As escassas referências de atuação apontam para processos de  homogeneização, de estandardização de nossa cultura complexa. Temos um estado rico, complexo culturalmente, do ambiente, da biodiversidade.

O Movimento Casa das Onze Janelas vem a público pedir pela revogação do Decreto Nº 1.568, de 17 de junho de 2016, que cria o Polo de Gastronomia da Amazônia na edificação  histórica onde está funcionando o Museu Casa das Onze Janelas. E também pedir imediata realização de audiência pública do governo do Estado para apresentar em sua integridade o projeto, a totalidade da área em que será implatado, suas parcerias e as formas de atuação do próprio governo nesse projeto, qual a contrapartida em relação à cessão de edificações na cidade de Belém e os estudos sobre os impactos sócio-cultural-ambientais do Polo de Gastronomia da Amazônia e do Centro Global de Gastronomia e Biodiversidade da Amazônia.

Belém, 4 de julho de 2016.

Movimento Casa das Onze Janelas



sábado, 2 de julho de 2016

NÃO SOMOS MEIA DÚZIA!! OU SOMOS ANIMAIS POLÍTICOS!!






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Assassinaram o camarão OU Atala e a roupa do rei

O cozinheiro Alex Atala é uma personalidade interessante. Brasileiro mais reputado no circuito internacional de chefs, começou por acaso no ramo. Curtidor de música, reza a lenda que aos 14 anos já era punk e DJ no Rose Bombom (casa noturna importante do underground de S.P. em meados dos anos 1980). Depois de uma saída meio emergencial do país, aos 19, acabou estudando culinária em Namur, na Bélgica – uma alternativa melhor do que pintar paredes.
Voltou ao Brasil, em 1994, e começou a se destacar por sua criatividade. Na virada do século, com a segunda casa que abriu, o D.O.M., começou sua escalada. Nos últimos 10 anos, Atala mostrou bom tino, não só para a cozinha e os negócios, mas também para a administração de sua própria imagem.
Com pinta de símbolo sexual, teve o bom senso de trilhar o rumo oposto de seu amigo, o espanhol Ferran Adrià, que foi considerado o maior do mundo em boa parte nesse período. O catalão mantinha o foco em novas tecnologias, a chamada cozinha molecular – criando espumas (aplicando gás e emulsificante aos ingredientes), gelatinas quentes (com metilcelulose) e líquidos esferizados (com alginato reagindo a cálcio). Ou seja, uma enorme bobagem yang (com ênfase na pirotecnia formal).
Já Atala pegou, de certa forma, o mesmo caminho que o dinamarquês René Redzepi, que sucedeu Adrià como “melhor do mundo” nos últimos anos. Redzepi adotou um pensamento mais yin, o do localismo, enfatizando ingredientes acessíveis e os da estação (com foco na própria natureza). Em sua outra casa, o Dalva e Dito (cujo nome fofo é o oposto em pretensão ao D.O.M., Deo Optimo Maximo, “a Deus, que é o máximo”), já falava em cozinha afetiva. Atala, que não é bobo, criou recentemente o instituto Atá. 
O instituto tem por missão “aproximar o saber do comer, o comer do cozinhar, o cozinhar do produzir, o produzir da natureza”, e quer abordar os diferentes biomas brasileiros e redescobrir e impulsionar diferentes ingredientes. Mas parece que, ao se preparar para fazer sua entrada estratégica na região brasileira que mais o motiva, a Amazônia, Atala deu finalmente seu grande tropeção conceitual, político e memético.
Não que ele não tivesse forçado a mão antes – mas sempre tinha dado relativamente certo. Como quando torceu o pescoço de uma galinha no palco do MAD Symposium, evento organizado por Redzepi em seu país. Não foi nada casual. Aproveitando o tema “guts” (que pode ser tanto vísceras quanto culhões) fez toda uma encenação, mantendo o ambiente escuro, projetando filmes de abate de animais, enquanto se repetia a frase DEATH HAPPENS, também estampada em sua camiseta. Para horror dos veganos e vegetarianos, Atala fez de sua figura tatuada e pirceada uma espécie de sacerdote sacrificial performático.
Não é descabida a ideia de que evitamos esse assunto e essa imagem, de que tratamos bichos mortos como se eles viessem do supermercado, e não do abate. Mas a atitude de Atala, fazendo o filósofo-sanguinário (como parte da performance no MAD Redzepi leu um trecho do capítulo “Morte”, de um dos livros do brasileiro), uma espécie de Hannibal Lecter da galinhada, também tem um tanto de oportunismo sensacionalista. Digamos, desnecessário.
Que se configura também em uma antiga sessão de fotos com pirarucus, do mesmo ano de sua participação no MAD, 2013, como esta acima que apareceu na imprensa gringa. O pirarucu, peixe gigantesco da amazônia (o da foto é um filhote), está ameaçado de extinção, por causa da pesca predatória. Assim, usar o pirarucu de echarpe ou meter a mão em suas guelras não parecia particularmente respeitoso para com a ecologia da região; pelo menos não dentro da perspectiva alimentarmente correta em que o chef vem investindo.
Mas o grande vacilo desta semana tem menos a ver com a lida com bichos do que com… animais políticos. Com vistas à criação do Centro Global de Gastronomia e Biodiversidade, o governador do Pará Simão Janene resolveu, com uma canetada, desapropriar uma das edificações mais bacanas e bem-situadas da cidade. É a Casa das Onze Janelas, construção dos séculos 17 e 18, no centro histórico, onde funciona um museu de arte contemporânea.
A reação dos artistas locais foi intensa e imediata, mas o governador até aqui tem se recusado a discutir. Parte do mesmo prédio, que era ocupada pelo restaurante Boteco das Onze, já tinha sido alvo de polêmica, com sua entrega, pela Secretaria de Cultura, para a exploração de um grupo pernambucano. E a recente presença de Atala acabou vista localmente como uma espécie de intervenção gourmetizante paulista-coxinha-globalizante, exploradora do “exotismo” local. O que acabou desembocando em um episódio hilário, o do camarão-bomba.
Direto do restaurante Mirazur, na Riviera francesa, do chef argentino Mauro Colagreco, o brasileiro postou quarta-feira no facebook a foto de um prato de camarão com hibisco e mandioca. Evidentemente é um prato da alta cozinha e “desconstruído”, ou seja, os ingredientes não estão misturados e amontoados, mas artisticamente (cof cof) dispostos.





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Foi a senha para milhares de comentários e compartilhamentos da postagem, a maioria absoluta tirando sarro do prato, essa “comida miserenta”. Eu, que não concebo prato de comida em que se vê o fundo, me senti representado. Alguns dos melhores comments:
– Podia ter mandado a foto do prato antes de comer.
– Como se come? Lambendo?
– Enrola uma notinha de 2 reais, e cheira.
– Aqui em Manaus tem um tal de ‘Camarão Espiritual’, mas acredito que o nome não deva ser encarado assim tão literalmente.
– Só com reunião mediúnica pra ter noticia desse camarão aí…
– Esse é o verdadeiro escondidinho de camarão!
– Geeeeente! Marido acho o camarão! Tá embaixo da poeira roxa!
– Pede pro camarão tirar a capa de invisibilidade, por favor.
– Tá. E cadê a parte que o camarão pula e grita: ACHOOÔ!!!
–  Esse povo anda comendo design mal feito.
–  Maninho, com essa pavulagem de broca, tu não te crias aqui em BeHell.
– Moço, seu prato explodiu.
– Nooossa, algum grupo terrorista já assumiu esse ataque com o camarão bomba?
– No percurso entre a cozinha e a mesa, o referido camarão foi atropelado. Duas vezes. Por um caminhão.
–  Parabéns ao restaurante pela atitude sustentável. Reaproveitando os restos.
– Faltou a bituca de cigarro e o guardanapo sujo em cima.
– Parece que um cachorro revirou o lixo e tossiu no prato.
– Depois de uns 49 desses, comemos uma sobremesa.
– Prefiro pão com ovo! Com todo respeito.
– Redução disso, espuma daquilo, farfalhas de não sei o quê, o cara sai se achando bacana chega em casa e caga ar.
– Alex Atala, aqui tu vais fazer pato no tucupi sem o pato e sem o tucupi? Rs.
A reação de redução de dano até que foi rápida. Ontem, quinta, não muitas horas depois do boom (ops) da postagem, ele publicou uma carta renunciando ao gerenciamento do polo. Foi intermediada pelo fotógrafo paulista Eder Chiodetto, que pedia uma resposta do chef desde o começo da semana. “Diante da inflexibilidade do Governo do Pará, do radicalismo das partes, da ausência de real diálogo, da clara confusão criada e do nosso profundo desagrado com a maneira com que vem sendo conduzida pelas partes a criação do Polo Gastronômico (…) o Instituto ATÁ não irá se candidatar para gerenciar o projeto do Polo Gastronômico”, diz.
Mas o estrago já está feito. Para quem gosta de pensar em si mesmo globalmente como um salvador ou Hemingway da Amazônia, ficar localmente vulgarizado como o interventor do camarão-espírita-vomitado-pelo-cachorro foi uma bola fora. Se sua leitura dos biomas e de suas culturas alimentares até parece sagaz, a leitura psicossocial, desta vez, ficou devendo. 
Siga-me no Twitter (@lex_lilith) 









  1. yahoonoticias-br reblogged this from alexantunes
  2. alexantunes posted this

1JUL
Sex 19:00R. Siqueira Mendes, s/n - Cidade Velha, Belém - PA, 66020-310
3 pessoas interessadas · 2 pessoas confirmaram presença
Eder Chiodetto com Alexandre Sequeira e outras 10 pessoas.
CONVERSEI AGORA COM ALEX ATALA sobre o projeto que extinguiu (e não desalojou apenas) o Espaço Cultural Casa das Onze Janelas para que no histórico prédio seja implantado, à revelia da classe artística e dos cidadãos em geral, o Centro Global de Gastronomia e Biodiversidade na Amazônia. O projeto conta com a participação de 10 instituições, entre elas o Instituto ATÁ, de Atala.
Em virtude do post abaixo que publiquei ontem, Atala fez contato por intermédio de um amigo em comum e me ligou. Queria explicar sua posição.
Coloquei a ele que a classe artística de Belém, e do Brasil, está bastante revoltada com a arbitrariedade dessa decisão, já publicada em Diário Oficial pelo governador Simão Jatene, para surpresa geral de todos que aguardavam o chamado para algum diálogo.
Atala disse-me que não partiu dele ou de sua equipe a escolha da Casa das Onze Janelas para sediar o polo gastronômico. "Para mim pode ser em qualquer outro lugar na cidade desde que tenha condições de abrigar tudo que planejamos".
"Mas o que circula é que você teria pedido exclusivamente o prédio do Museu", eu lhe disse. "Assim como a classe artística agora está me acusando de ter pedido a Casa das Onze Janelas, o governo também me usa como escudo", disse o chef.
Perguntei então se ele conversaria com o governador no sentido de reverter a decisão já tomada de fechar o Museu. Não senti muita convicção, confesso, mas ele disse que "se for preciso chegar a esse ponto, sim".
Eu disse que seria preciso chegar a esse ponto sim, pois ele é quem está no holofote dessa história e tem poder para reverter os erros já cometidos. Por fim comentei que muitas das pessoas com as quais estou conversando no Pará não são contra a existência do polo gastronômico. Mas que mesmo a implantação desse deve ser feita às claras, dialogando com a população local.
Sugeri, como os amigos locais estão dizendo, áreas também à beira Rio com prédios super importantes - e lindos - da arquitetura local que estão abandonados.
"Um projeto desse, contigo à frente, Alex, pode ajudar a revitalizar um prédio, uma região, criando elos, linkando gastronomia, cultura popular, arte. Pô Alex, é muito mais legal chegar assim na cidade do que desalojando um museu tradicional levando-o à extinção - afinal, não dá para ser Museu das Onze Janelas se for num outro endereço, né? No mais, não tem nada de mais bonito e genuíno que juntar arte e gastronomia, sobretudo numa cidade mágica e criativa como essa. Belém!". Ele respondeu que não tem nenhum argumento a favor dessa ação de ocupar o Museu das Onze Janelas. Disse, por fim, que pode ser o interlocutor entre a classe artística e o governo nessa questão.
Amigos de Belém. Vamos em frente. Tem que rolar uma comissão pra ir dialogar com essa gente. Tem reunião no Fotoativa hoje, certo? Saindo uma comissão daí coloco-os em contato com Atala para avançar na conversa.

* Foto do site site www.agenciapara.com.br, orgão de comunicação oficial do governo, com legenda que anuncia a Casa das Onze Janelas como ícone do polo gastronômico. Inclusive com versão para baixar a foto... Argh
Alex Atala - esse que faz pose nu com um pirarucu de echarpe - é um dos principais protagonistas, junto com um bando de políticos oportunistas, dessa história medonha que está transformando a Casa das 11 Janelas, o tradicional museu de arte de Belém do Pará, em restaurante. Enquanto isso a Folha de S.Paulo traz Sandy na capa da Ilustrada louvando seu novo disco em matéria tão aduladora que parece escrita pela assessoria da própria. Tá fácil não...
South America's best known chef is on a mission to highlight the indigenous foods of the Amazon – and to transform Brazilian cooking
www.theguardian.com|Por Allan Jenkins
O instituto encabeçado pelo chef é um dos dez idealizadores do projeto que deve ser implantado no local onde funciona o Museu de Arte Contemporânea na…
vejasp.abril.com.br


ENTENDA O CASO: Acordos, conluios, conchavos!!!
Roberto Smeraldi tenta esconder sua relação com o desmonte da Casa das Casa DasOnze Janelas. Neste post no FB:
https://www.facebook.com/roberto.smeraldi/…/920926448016532…
Roberto Smeraldi
Boas notícias no Diário Oficial Pará hj: polo p/ gastronomia + duas reservas de desenv. sust. em áreas críticas (josé porfírio e maracanã).