A morte do Museu de Arte Contemporânea Casa das
Onze Janelas, ou a morte da arte na cultura: resposta do Movimento Casa Das
Onze Janelas à Nota Do Governo Do Estado
Do Pará sobre o Polo De Gastronomia e o Museu de Arte Contemporânea Casa das
Onze Janelas
Importância do Museu de Arte Contemporânea Casa
das Onze Janelas e a valorização da cultura paraense e brasileira.
Diante das inúmeras manifestações em todo o país
por representantes das classes artísticas contra a extinção do Museu de Arte
Contemporânea Casa das Onze Janelas por parte do Governo do Estado do Pará para
abrigar o Polo Gastronômico da Amazônia, o movimento Casa das Onze Janelas vem
à público apresentar suas considerações no que diz respeito à nota oficial do
governo do estado publicada no jornal O liberal do dia 1 de julho de 2016, no
caderno atualidades página 5.
1. Ao contrário do que afirma o governo o museu
será mais do que fechado, será extinto. Transferí-lo do lugar que lhe pertence
implica no seu desaparecimento definitivo, no que se refere a sua concepção
museológica original em diálogo com sua área externa e paisagem dentro do
complexo Feliz Lusitânia.
2. O
Governo afirma: “O Polo de Gastronomia é mais do que um projeto. É também um
sonho de muitos que se arrasta há anos.” Quem seriam esses “muitos” que nutrem
o sonho do Polo Gastronômico? Muitos, na verdade, é a população do Pará que
jamais foi esclarecida, informada e consultada sobre este ou outros grandes
projetos implantados em nosso Estado, e que trazem em seu discurso o sonho de
desenvolvimento do Pará como grande potência econômica.
3. Neste ponto, por que trocar um museu por
outro? Por que alijar a arte de um ambiente no qual ela já está integrada há
quatorze anos, física e culturalmente? Em que medida a permanência
do Museu de Arte Contemporânea Casa das Onze Janelas impede a suposta agregação
de valor alegada pelo governo do estado? O Movimento Casa Das Onze Janelas
entende que a arte, como campo de conhecimento, tem muito a contribuir com todo
e qualquer projeto que pretenda desenvolver a cultura em nossa região,
considerando a participação fundamental das instituições públicas de ensino e
pesquisa de arte, assim como a participação da sociedade civil.
4. Segundo a nota do governo o programa Pará
2030 propõe a agregação de valor aos nossos produtos e marcas destacando nossa
história e cultura. Curiosamente o Pará um dos poucos estados da federação a
não aderir ao Fundo Nacional de Cultura, o que levanta grandes dúvidas quanto à
efetiva inclusão da cultura no desenvolvimento do estado. Aqui a nota do
governo defende a agregação de valor aos produtos e marcas, mas de forma
estritamente econômica (financeira). A
arte tem muito a contribuir para o desenvolvimento econômico, cultural, e
social do Estado. Ao que parece o governo entende a agregação de valor como uma
padronização, homogeneização,
higienização, uma gentrificação dos nossos produtos e bens culturais
ligados à cultura alimentar das diferentes regiões paraenses, em especial de
comunidades produtoras de mandioca e seus derivados, tucupi, maniva, farinha, e
outros produtos como castanha do pará, açaí e chocolate.
Compreendemos a cultura amazônica como uma
cultura heterogênea e mestiça. E o que o governo define na nota oficial como
“estratégia de desenvolvimento sustentável e harmônico para o Estado” pode
colocar em risco a complexidade da nossa cultura, dos muitos que somos, podendo
vir a interferir no nosso modo de ser, e de estar inseridos na cultura. Sempre
soubemos nos relacionar com o diverso, com o diferente, e como em qualquer
cultura mestiça, nossa riqueza está na mistura.
5. Neste item o governo incorre em um equívoco
quando afirma que o Polo de Gastronomia irá agregar o alimento ao sitio Feliz
Lusitânia, mas tal segmento já está presente, nos restaurantes, nas comidas de
rua que fazem parte da vida da cidade, representa parte do seu modo de ser e
estar na cultura amazônica, como o cachorro-quente, o tacacá, por exemplo. Qual
seria o sentido de agregar e congregar, quando se exclui um Museu que já cumpre
o papel marcante de congregar manifestações
da nossa história, cultura e memória? O sentido de exclusão da arte não condiz com
o significado de agregar. Isso nos leva a entender que o termo agregar, no discurso do governo, se refere
apenas à gastronomia, confirmando o entendimento de que o governo pretende, no
projeto referido, a implantação e homogeneização dos nossos produtos e bens
culturais.
6. No que concerne ao item 6 o governo se refere
ao uso do prédio histórico onde funciona atualmente o Museu de Arte
Contemporânea Casa das Onze Janelas,
afirmando que a edificação abrigou um restaurante, que ocupava metade do
prédio. No entanto, esta afirmação está incorreta; na verdade o restaurante
ocupava metade da parte do térreo do
prédio original, ou seja, apenas ¼ da área original da edificação. Na outra
metade está o projeto “Gabinete de Papéis”,
com uma sala expositiva e a reserva técnica de papéis, o Educativo, o
Administrativo. E em toda a área do andar superior encontram-se as três salas
de exposições, banheiros e uma pequena sala de apoio.
Em relação
ao sub-item letra a, sobre a afirmação do governo: “área disponível no prédio,
mesmo que integralmente destinada ao museu, seria insuficiente diante da
tendência de crescimento de acervo”, o movimento Casa das Onze Janelas possui
outro entendimento sobre a expansão do museu. Considera que para atender a
necessidade de expansão pode-se aproveitar a área do restaurante, incluindo a
área anexa que era destinada à cozinha. O Museu de Arte Contemporânea Casa das
Onze Janelas, em seu processo de ampliação também pode prever mais áreas
expositivas, além da própria reserva técnica, assim como outro possível projeto
de expansão. Seria bem vinda a
implantação de um prédio anexo para a reserva técnica e exposições de grandes
dimensões com complexidades tecnológicas
contemporâneas, como já ocorre em grandes museus nacionais e internacionais que
mantém seus espaços expositivos em prédios históricos, garantindo suas
identidades constituídas em longos períodos, mas possuem anexos para acervo e
outras exposições em diferentes edificações, como por exemplo: MAC-SP, MAS-SP,
MAR-RJ, CCBB-SP-RJ-BH, Tate Galery- Londres.
No sub-item
letra b, o governo afirma que “por ser prédio antigo e não concebido para tal,
por razões estruturais, apresenta restrições quanto ao espaço, climatização,
iluminação, (…)” é importante ressaltar que a edificação original era de uma
residência, que foi inicialmente adaptada para ser um hospital, depois um
quartel militar, sendo a última e duradoura adaptação para transformar-se no
Museu de Arte Contemporânea Casa das Onze Janelas. A adaptação faz parte da
história daquele lugar. Esse argumento inclusive desqualifica o arquiteto que
adaptou o prédio para uso museológico. Essa adaptação, coordenada pelo
arquiteto e atual Secretário de Cultura, Paulo Chaves, atendeu e atende
projetos expositivos de grande envergadura, e no que tange a questão específica
de iluminação e climatização, o projeto fez a adaptação adequada, no entanto falta manutenção, investimento
para preservar e ampliar o que existe. Precisa-se ainda de investimentos
maiores para o desenvolvimento de projetos com complexidades tecnológicas de
grande alcance.
A
afirmativa de que o prédio antigo não foi concebido para ser museu não é um argumento
consistente para excluir o Museu de Arte Contemporânea Casa das Onze Janelas
enquanto tal, visto que foi concebido para dialogar com as outras edificações
do Complexo Feliz Lusitânia e com o seu meio ambiente. A estrutura para ser um
museu contemporâneo está pronta. Entendemos que o Museu de Arte Contemporânea
Casa das Onze Janelas merece um projeto de expansão, nos termos aqui por nós
apresentados. E isto implica em sua permanência no local para o qual foi
pensado, se relacionando com a natureza e com a paisagem. Considera-se de
extrema importância que o governo se comprometa em investir na manutenção e
conservação dos museus existentes, assim como realizar investimentos em novos
museus e em outros projetos na área da cultura, mas reafirmamos que é
primordial manter os projetos que já existem, principalmente os de longa
duração com reconhecimento nacional, o que significa garantir projetos que
mantenham o direito da população paraense ao acesso à diversidade cultural , à
arte e à educação.
7 . Neste item o
governo declara que: “Por tudo
isso, mais uma vez negando o discurso do fechamento do museu, a Secult foi
orientada a encontrar um espaço mais apropriado, de preferência no mesmo
sítio[...].” O movimento Museu Casa das Onze Janelas afirma que este perde sua
identidade ao ser deslocado de lugar, portanto, extingui-se, conforme
asseverado no decreto 1.568, de 17 de Junho de 2016 que em seu artigo sétimo
determina o funcionamento do museu naquele espaço até o início das obras do
Polo Gastronômico, não apresentando qualquer alternativa à presença do Museu de
Arte Contemporânea Casa das Onze Janelas no mesmo espaço. Reiteramos que o
projeto arquitetônico do Museu de Arte Contemporânea Casa das Onze Janelas, foi
projetado para compor um complexo de museus de acordo com sua tipologia:
destinada a arte contemporânea. A sua retirada implica alterar o corpo
museológico existente e afetar a paisagem urbana. Portanto, pelos motivos
expostos, entende-se que a sua retirada do local onde se encontra implica na extinção
completa do Museu de Arte Contemporânea Casa das Onze Janelas.
Vale lembrar que a
especificidade do museu foi pensada na sua integração com o prédio que ocupa. O
grande edifício do século XVIII dialoga com as obras pois é desprovido de
ornamentos internos e suas salas possuem vãos livres com pé-direito bastante
alto para comportar trabalhos artísticos de distintas escalas incluindo
instalações e projeções de grande formato. A estrutura física do edifício
também permite criar infinitos desenhos expográficos que atendem perfeitamente
a constante reorganização espacial de suas dependências em diversas salas,
seguindo a necessidade de cada projeto de exposição a ser montado. Essas
qualidades estruturais do prédio do museu são fundamentais para o entendimento
sobre a arte contemporânea, sua fisicalidade e importância conceitual.
Posicionado em frente à Baía do Guajará e ao lado do Forte do Presépio, o
espaço do museu permite intervenções artísticas das mais diversas cujo contato
com a paisagem ribeirinha-amazônica possibilita importantes projetos voltados
para a relação entre arte, geografia e cultura amazônica.
Quando o governo afirma
no decreto e na sua nota oficial que não haverá fechamento do museu, mas
transferência, trata-se na verdade de figura de linguagem, um eufemismo, para
criar a falsa ideia de permanência do Museu de Arte Contemporânea Casa das Onze
Janelas. Portanto, pelos motivos expostos, entendemos que a sua retirada do
local onde se encontra implica no apagamento completo do Museu de Arte
Contemporânea Casa das Onze Janelas. Este museu só existe e tem sua identidade
preservada se continuar nesse lugar, inclusive com seu nome Museu de Arte
Contemporânea Casa das Onze Janelas.
8 Este item indica que “pelo menos três
alternativas estão em estudo, conforme o que foi determinado no Decreto 1.568,
de 17 de Junho de 2016” garantindo que o Museu de Arte Contemporânea Casa das
Onze Janelas continue no espaço atual até que um novo lugar fique pronto. Em
relação a esta informação, observa-se que existe uma explícita contradição
entre o que a nota oficial do governo propaga e o artigo sétimo do decreto
citado acima, que afirma: “O Museu de Arte Contemporânea e todo seu acervo
permanecem sob a gestão da Secretaria de Estado de Cultura do Pará - SECULT,
assim como seu funcionamento no local atual até o início das obras do Polo
de Gastronomia, quando então serão transferidos para novo espaço a ser definido
pela SECULT”, Esta contradição exige um esclarecimento: O governo propõe
que o Museu de Arte Contemporânea Casa das Onze Janelas “continue funcionando
no espaço atual, até que o novo esteja pronto” conforme a Nota Oficial ou “até
o início das obras do Polo de Gastronomia” conforme o Decreto? Esta indecisão
sugere que a ordem de retirar o Museu de Arte Contemporânea Casa das Onze
Janelas do lugar onde se encontra foi arbitrária e não planejada.
Entendemos que a proposição de construção de um
novo e grande museu de arte contemporânea encontra-se baseada em alternativas
frágeis, sem concretude ou solidez. Não há viabilidade prática porque não
existe um proposito de mudança pensada com rigor e certeza do desejado.
Tratam-se de opções inviáveis para serem realizadas a curto prazo, sua
realização seria, no mínimo, para médio e longo prazo. Um projeto arquitetônico
dessa envergadura não poderia ser construído no tempo restante da atual gestão
do governador Simão Jatene, há um ano e meio do final do seu mandato.
Perguntamos, a proposta é repassar a conclusão da obra de construção e/ou
restauro do novo Museu de Arte Contemporânea para uma nova gestão do governo do
estado do Pará? Isso significa na prática que o Museu de Arte Contemporânea
Casa das Onze Janelas será extinto.
A Nota Oficial e o Decreto 1.568, de 17 de Junho
de 2016, que suprimem o Museu de Arte Contemporânea Casa das Onze Janelas,
comungam nas afirmações, explicitas nos dois documentos, de que não existe
até o momento projeto definido para a construção/restauro de um novo museu.
O movimento Casa das Onze Janelas entende que a
retirada do Museu de Arte Contemporânea Casa das Onze Janelas do seu sitio
original, implica na descaracterização do projeto original do conjunto de
museus e outros equipamentos culturais existentes no Complexo Feliz Lusitânia,
criados para atuarem em rede e de forma orgânica. A retirada do Museu de Arte
Contemporânea Casa das Onze Janelas do seu local original revela-se como uma
violenta extirpação de um dos membros de um organismo vivo, trata-se de
violento ato de retirada da arte de um território constituído e de reconhecimento
nacional. Entendemos que arrancá-lo de
sua estrutura orgânica de relacionamento em rede e com a paisagem, além de
descaracterizá-lo, alija-o de seu projeto arquitetônico inicial, decretando a
sua morte, porque como em um sítio
específico, só existe em estreita relação com o seu meio ambiente, com o
lugar para o qual foi pensado e construído, permanecendo assim em seus
quatorze anos de existência.
9 Este item da Nota Oficial, afirma que: “Logo,
qualquer tentativa de desvirtuar tais fatos, além de não corresponder à
realidade, por quaisquer que sejam as motivações, só contribui para
prejudicar a implantação de mais um museu, além de inviabilizar o Polo de
Gastronomia da Amazônia, com todos os efeitos positivos que o mesmo trará para
Belém e para o Estado.”
O Movimento Casa das
One Janelas esclarece à população paraense e brasileira, que em nosso
entendimento, a adulteração dos fatos está ocorrendo por intermédio de atitudes
impostas por força de um decreto, sem transparência e sem discussão com todos
que serão diretamente afetados por
decisões de desarticulação da arte atuante nesse espaço. Essas decisões
extirpam da arte não só o prédio, e o seu entorno, mas também, o nome, o qual
sintetiza a relação de afeto, de reconhecimento de território constituído no
tempo-espaço de quatorze anos de atuação
com a arte contemporânea.
O Movimento Casa da
Onze Janelas que está lutando pela continuidade e valorização de um Museu que é
legítimo, em que medida essa ação pode ser vista com o intuito de prejudicar?
Temos como plataforma inicial contribuir para a manutenção do museu no seu
lugar de origem e para contribuir para a valorização de nossa cultura mestiça,
que é uma das nossas maiores riquezas.
10 No último item da
Nota Oficial o governo afirma que “Finalizando, os estudos em curso para a
ampliação e melhoria do espaço destinado ao Museu de Arte Contemporânea
constituem-se em mais uma prova da preocupação em se resgatar, valorizar e
abrir novos espaços democráticos para a arte e cultura, como comprovadamente
o Governo do Estado vem realizando ao longo dos anos.” Importante ressaltar que
o desmonte desses equipamentos culturais
ocorre muito antes da imposição de um decreto. A falta de investimentos mínimos
e de manutenção desses espaços físicos confirmam a inexistência de
investimentos de manutenção e de projetos de fomento à cultura tanto para
capital, Belém, como para os demais municípios do estado do Pará.
O governo do Estado
está desativando paulatinamente os editais de apoio à pesquisa de acervo,
editais de auxílio ao desenvolvimento das práticas e poéticas artísticas, todos estão sendo
retirados da pauta de prioridades do
atual governo do estado do Pará -
isso se revela na supressão do
edital de pauta do Sistema Integrado de Museus, por exemplo, e na mudança de
horário de funcionamento dos museus, modificando a rotina dos usuários, criando
um falso entendimento de que os museus não estão funcionando. Atitudes
semelhante de desmonte da área cultural e artística vem ocorrendo pelo menos
desde 2014, com a extinção/fusão de projetos em curso como o que ocorreu com a
Fundação Curro Velho, Instituto de Artes do Pará (IAP) e Fundação Cultural do
Pará Tancredo Neves (FCPTN/CENTUR), sem promover debates com a população e
classe artistica, sem transparência dos atos de governo em relação a arte e a
cultura, tendo como justificativa, nesse exemplo, a reforma administrativa do
estado para “enxugar gastos”.
Quando o governo impõe
por decreto a retirada do museu, assume a sua extinção, pelos motivos aqui
expostos. A nota oficial e tampouco o
decreto pouco esclarecem sobre o que de fato é o Polo de Gastronomia da
Amazônia, onde ele será implantado em sua integridade, quais os parceiros desse
projeto, qual sua naturalidade e nacionalidade? Quais as atividades e modos de
ação na nossa região? As escassas referências de atuação apontam para processos
de homogeneização, de estandardização de
nossa cultura complexa. Temos um estado rico, complexo culturalmente, do
ambiente, da biodiversidade.
O Movimento Casa das
Onze Janelas vem a público pedir pela revogação do Decreto Nº 1.568, de
17 de junho de 2016, que cria o Polo de Gastronomia da Amazônia na
edificação histórica onde está
funcionando o Museu Casa das Onze Janelas. E também pedir imediata realização
de audiência pública do governo do Estado para apresentar em sua
integridade o projeto, a totalidade da área em que será implatado, suas
parcerias e as formas de atuação do próprio governo nesse projeto, qual a
contrapartida em relação à cessão de edificações na cidade de Belém e os
estudos sobre os impactos sócio-cultural-ambientais do Polo de
Gastronomia da Amazônia e do Centro Global de Gastronomia e Biodiversidade da
Amazônia.
Belém, 4 de julho de
2016.
Movimento Casa das Onze
Janelas