Precisamos defender a nossa liberdade de decidir ser o que quisermos ser! Essa é nossa causa: a liberdade da manutenção do território da arte que construímos numa comunidade brasileira. Esta, nos termos de Foucault, "não é uma luta para alcançar o que efetivamente somos, mas um esforço de desprendimento da identidade a nós imposta."

sábado, 2 de julho de 2016

NÃO SOMOS MEIA DÚZIA!! OU SOMOS ANIMAIS POLÍTICOS!!






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Assassinaram o camarão OU Atala e a roupa do rei

O cozinheiro Alex Atala é uma personalidade interessante. Brasileiro mais reputado no circuito internacional de chefs, começou por acaso no ramo. Curtidor de música, reza a lenda que aos 14 anos já era punk e DJ no Rose Bombom (casa noturna importante do underground de S.P. em meados dos anos 1980). Depois de uma saída meio emergencial do país, aos 19, acabou estudando culinária em Namur, na Bélgica – uma alternativa melhor do que pintar paredes.
Voltou ao Brasil, em 1994, e começou a se destacar por sua criatividade. Na virada do século, com a segunda casa que abriu, o D.O.M., começou sua escalada. Nos últimos 10 anos, Atala mostrou bom tino, não só para a cozinha e os negócios, mas também para a administração de sua própria imagem.
Com pinta de símbolo sexual, teve o bom senso de trilhar o rumo oposto de seu amigo, o espanhol Ferran Adrià, que foi considerado o maior do mundo em boa parte nesse período. O catalão mantinha o foco em novas tecnologias, a chamada cozinha molecular – criando espumas (aplicando gás e emulsificante aos ingredientes), gelatinas quentes (com metilcelulose) e líquidos esferizados (com alginato reagindo a cálcio). Ou seja, uma enorme bobagem yang (com ênfase na pirotecnia formal).
Já Atala pegou, de certa forma, o mesmo caminho que o dinamarquês René Redzepi, que sucedeu Adrià como “melhor do mundo” nos últimos anos. Redzepi adotou um pensamento mais yin, o do localismo, enfatizando ingredientes acessíveis e os da estação (com foco na própria natureza). Em sua outra casa, o Dalva e Dito (cujo nome fofo é o oposto em pretensão ao D.O.M., Deo Optimo Maximo, “a Deus, que é o máximo”), já falava em cozinha afetiva. Atala, que não é bobo, criou recentemente o instituto Atá. 
O instituto tem por missão “aproximar o saber do comer, o comer do cozinhar, o cozinhar do produzir, o produzir da natureza”, e quer abordar os diferentes biomas brasileiros e redescobrir e impulsionar diferentes ingredientes. Mas parece que, ao se preparar para fazer sua entrada estratégica na região brasileira que mais o motiva, a Amazônia, Atala deu finalmente seu grande tropeção conceitual, político e memético.
Não que ele não tivesse forçado a mão antes – mas sempre tinha dado relativamente certo. Como quando torceu o pescoço de uma galinha no palco do MAD Symposium, evento organizado por Redzepi em seu país. Não foi nada casual. Aproveitando o tema “guts” (que pode ser tanto vísceras quanto culhões) fez toda uma encenação, mantendo o ambiente escuro, projetando filmes de abate de animais, enquanto se repetia a frase DEATH HAPPENS, também estampada em sua camiseta. Para horror dos veganos e vegetarianos, Atala fez de sua figura tatuada e pirceada uma espécie de sacerdote sacrificial performático.
Não é descabida a ideia de que evitamos esse assunto e essa imagem, de que tratamos bichos mortos como se eles viessem do supermercado, e não do abate. Mas a atitude de Atala, fazendo o filósofo-sanguinário (como parte da performance no MAD Redzepi leu um trecho do capítulo “Morte”, de um dos livros do brasileiro), uma espécie de Hannibal Lecter da galinhada, também tem um tanto de oportunismo sensacionalista. Digamos, desnecessário.
Que se configura também em uma antiga sessão de fotos com pirarucus, do mesmo ano de sua participação no MAD, 2013, como esta acima que apareceu na imprensa gringa. O pirarucu, peixe gigantesco da amazônia (o da foto é um filhote), está ameaçado de extinção, por causa da pesca predatória. Assim, usar o pirarucu de echarpe ou meter a mão em suas guelras não parecia particularmente respeitoso para com a ecologia da região; pelo menos não dentro da perspectiva alimentarmente correta em que o chef vem investindo.
Mas o grande vacilo desta semana tem menos a ver com a lida com bichos do que com… animais políticos. Com vistas à criação do Centro Global de Gastronomia e Biodiversidade, o governador do Pará Simão Janene resolveu, com uma canetada, desapropriar uma das edificações mais bacanas e bem-situadas da cidade. É a Casa das Onze Janelas, construção dos séculos 17 e 18, no centro histórico, onde funciona um museu de arte contemporânea.
A reação dos artistas locais foi intensa e imediata, mas o governador até aqui tem se recusado a discutir. Parte do mesmo prédio, que era ocupada pelo restaurante Boteco das Onze, já tinha sido alvo de polêmica, com sua entrega, pela Secretaria de Cultura, para a exploração de um grupo pernambucano. E a recente presença de Atala acabou vista localmente como uma espécie de intervenção gourmetizante paulista-coxinha-globalizante, exploradora do “exotismo” local. O que acabou desembocando em um episódio hilário, o do camarão-bomba.
Direto do restaurante Mirazur, na Riviera francesa, do chef argentino Mauro Colagreco, o brasileiro postou quarta-feira no facebook a foto de um prato de camarão com hibisco e mandioca. Evidentemente é um prato da alta cozinha e “desconstruído”, ou seja, os ingredientes não estão misturados e amontoados, mas artisticamente (cof cof) dispostos.





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Foi a senha para milhares de comentários e compartilhamentos da postagem, a maioria absoluta tirando sarro do prato, essa “comida miserenta”. Eu, que não concebo prato de comida em que se vê o fundo, me senti representado. Alguns dos melhores comments:
– Podia ter mandado a foto do prato antes de comer.
– Como se come? Lambendo?
– Enrola uma notinha de 2 reais, e cheira.
– Aqui em Manaus tem um tal de ‘Camarão Espiritual’, mas acredito que o nome não deva ser encarado assim tão literalmente.
– Só com reunião mediúnica pra ter noticia desse camarão aí…
– Esse é o verdadeiro escondidinho de camarão!
– Geeeeente! Marido acho o camarão! Tá embaixo da poeira roxa!
– Pede pro camarão tirar a capa de invisibilidade, por favor.
– Tá. E cadê a parte que o camarão pula e grita: ACHOOÔ!!!
–  Esse povo anda comendo design mal feito.
–  Maninho, com essa pavulagem de broca, tu não te crias aqui em BeHell.
– Moço, seu prato explodiu.
– Nooossa, algum grupo terrorista já assumiu esse ataque com o camarão bomba?
– No percurso entre a cozinha e a mesa, o referido camarão foi atropelado. Duas vezes. Por um caminhão.
–  Parabéns ao restaurante pela atitude sustentável. Reaproveitando os restos.
– Faltou a bituca de cigarro e o guardanapo sujo em cima.
– Parece que um cachorro revirou o lixo e tossiu no prato.
– Depois de uns 49 desses, comemos uma sobremesa.
– Prefiro pão com ovo! Com todo respeito.
– Redução disso, espuma daquilo, farfalhas de não sei o quê, o cara sai se achando bacana chega em casa e caga ar.
– Alex Atala, aqui tu vais fazer pato no tucupi sem o pato e sem o tucupi? Rs.
A reação de redução de dano até que foi rápida. Ontem, quinta, não muitas horas depois do boom (ops) da postagem, ele publicou uma carta renunciando ao gerenciamento do polo. Foi intermediada pelo fotógrafo paulista Eder Chiodetto, que pedia uma resposta do chef desde o começo da semana. “Diante da inflexibilidade do Governo do Pará, do radicalismo das partes, da ausência de real diálogo, da clara confusão criada e do nosso profundo desagrado com a maneira com que vem sendo conduzida pelas partes a criação do Polo Gastronômico (…) o Instituto ATÁ não irá se candidatar para gerenciar o projeto do Polo Gastronômico”, diz.
Mas o estrago já está feito. Para quem gosta de pensar em si mesmo globalmente como um salvador ou Hemingway da Amazônia, ficar localmente vulgarizado como o interventor do camarão-espírita-vomitado-pelo-cachorro foi uma bola fora. Se sua leitura dos biomas e de suas culturas alimentares até parece sagaz, a leitura psicossocial, desta vez, ficou devendo. 
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